Mais uma crónica de mão-cheia do Alexandre!
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Pintura de Marc Chagall, 1939 |
Calmamente, e com cautela para não ser notado, faço uns rabiscos na toalha de papel que cobre a mesa onde me encontro. Uma das muitas mesas redondas que, estrategicamente posicionadas, preenchem a sala. Nestes dias, todas as pessoas deixam de parte os conflitos pessoais, vestem as suas melhores roupas, e o Amor, esse que matou Inês de Castro, a que "depois de morta foi rainha", paira no ar.
Encontro-me, obviamente, num casamento. É uma cerimónia que me provoca sempre um misto de emoções... Para começar, constrangimento. O momento da chegada ao local da cerimónia é o que anseio que mais rapidamente passe. Pessoas que descubro serem da minha família, mas que me conhecem como se convivessem comigo diariamente, exageram ao dizer: "Ah, olhem para ele! Já está mais alto do que a mãe!". E eu só penso: "Como se fosse difícil. Até um anão que pudesse viver no Portugal dos Pequeninos é quase do tamanho da mãe.". Enfim. Enchem-me a cara de batom vermelho-vivo, mancham a minha camisa branca com base e esmagam-me dentro dos seus largos braços. Refiro-me, claramente, às "indivíduas" do sexo feminino. Com os homens, o cenário é extremamente diferente. Apertamos a mão, sorrimos, e perguntamos como tem corrido a vida. Muito mais simples, limpo e confortável, acreditem.
Em segundo lugar, esta cerimónia motiva também o crescimento de um sentimento de comoção dentro de mim, dentro dos outros convidados, dentro de todos, mesmo dos que estão a ver os noivos pela primeira vez. Há sempre três razões para se estar presente num casamento: ser-se convidado por gosto, por obrigação ou mesmo nem se ser. Aparecer, comer, beber, rir, e voltar para casa. A noiva pensa “deve ser da família do meu querido noivo”, e o noivo pensa “deve ser da família da minha querida noiva”, portanto, ninguém se insurge contra aquela presença estranha. A comida, que aos noivos parece sempre pouca, mas que serve de alimentação nas duas semanas seguintes, acabaria também por se estragar. Voltando ao que interessa. Até nós, homens, que muitos acusam de carregarmos um coração de pedra, nos comovemos em alguns momentos. Quando a noiva entra, ao som da mais bela das melodias, exibindo o seu longo vestido pela Igreja adentro, ou mesmo quando os noivos prometem nunca se separarem, na saúde e na doença, na alegria ou na tristeza, são momentos que não nos passam despercebidos. Reagimos de forma diferente, pois sabemos como nos conter e impedir algumas lágrimas de nos correrem pela face abaixo, apenas isso.
Um facto curioso… Em 2016, estimou-se que em cada cem casamentos, setenta terminassem com um pedido de divórcio. Imaginemos que, em média, cada casamento tenha um total de cem convidados, contando com os noivos. Têm sempre muito mais, se contarmos com os que se auto-convidam, como já citei, mas esses não vão entrar nos meus cálculos. Cada um dos convidados compra uma nova roupa para estrear no casamento, e a cada um deles são servidas cinco refeições, no dia da cerimónia. Ou seja, se um casamento terminar em divórcio, cem novas roupas foram estreadas em vão e quinhentas refeições foram servidas desnecessariamente. Contudo, no dia importante, ninguém pensa que os noivos, dias mais tarde, em vez de subirem à mesa para se beijarem apaixonadamente, quando os convidados espancam violentamente os pratos, subirão antes os seus tons de voz, para se tentarem sobrepor numa acesa discussão.
Algo me intriga, nisto dos casamentos: à medida que o dia avança, as mulheres vão ficando cada vez mais pequenas. Até a minha mãe me pedir, aflitíssima, que fosse ao carro buscar os seus sapatos rasos, nunca tinha percebido este estranho fenómeno da diminuição da altura feminina ao longo do dia!
Antes de se chegar ao casamento, normalmente, os dois seres apaixonados conhecem-se, namoram e acabam por ficar noivos. Enalteço o advérbio “normalmente”, pois há sempre casos em que a conta bancária de um dos noivos se sobrepõe às duas últimas etapas que antecedem o casamento, já por mim mencionadas.
Noutros tempos, todas as raparigas eram uma espécie de Efire, "fugindo" dos seus pretendentes como esta ninfa tinha fugido de Leonardo, pobre e azarado nauta. Agora, são todas como as restantes ninfas...Atiram-se a quem têm debaixo de olho, sem pensar duas vezes. No meu entender, os papéis têm-se invertido. De momento, em vez de serem os "Leonardos" a correrem atrás das "Efires", são as "Efires" que perseguem ferozmente os "Leonardos". Nunca imaginou Camões que a sociedade tanto se fosse transformar, quando escreveu a obra que marca eternamente a nossa língua.
Soube ontem que os noivos do último casamento ao qual fui não tinham estado juntos mais de um mês. É "espantante", como exclama sempre o meu irmão mais novo. E acho que a palavra "espantante" devia ser mesmo incluída no dicionário, para poder descrever este tipo de situações. São, deveras, "espantantes". O ser humano, refletindo, é algo "espantante". Consegue que o céu não seja o limite, e, ao mesmo tempo, limita tudo o que é seu. Uma felicidade que é jurada como sendo eterna é limitada por uma série de rixas sem fundamento. Foi o caso deste casal, que esteve casado alguns dias. Depois de vários meses a preparar a cerimónia, a procurar uma casa, a tentar comprar um carro, segue cada um o seu caminho, esquecendo todos os abraços, todos os bons momentos e todas as vezes que tiveram uma grande probabilidade de serem contagiados com sífilis ou mononucleose, doenças que se transmitem no ato do beijo.
Seguem-se meses cheios de problemas. Visitas ao registo civil para anular o que uns dias antes validaram, problemas com as partilhas, desentendimentos de ordem ideológica frequentes. Se eu fosse juiz, chamava algum representante da Igreja ao Tribunal para termos uma conversa séria. Em vez de os noivos prometerem nunca se separarem, nem na saúde, nem na doença, nem na alegria, nem na tristeza, deviam prometer estarem casados, pelo menos, durante dois meses, para que depois não se acumulassem casos de divórcios nos tribunais, que levam meses ou anos a resolver.
Acho que, por hoje, não consigo escrever mais. O atenuante barulho dos talheres a embater nos pratos, copos ou qualquer coisa que faça com que os noivos se levantem e se beijem ainda corrói a minha cabeça. Esta é uma das perguntas que me coloco sempre que venho a este tipo de eventos...De que material serão feitos os inúmeros talheres e copos que ornamentam as mesas? É que são constantemente, casamento após casamento, esmurrados e torturados como se de sacos de boxe se tratassem, e nunca vi nenhum prato ou copo partido...Por outro lado, em casa, quando arrumo a louça, excecionalmente, para agradar à minha mãe, é impossível terminar a minha tarefa sem partir alguma peça. Ela acaba sempre por notar que arrumei a louça, não por estar bem arrumada, mas sim por haver menos do que havia antes.
Das poucas coisas que me agradam nos casamentos, destaco este tipo de toalhas sobre a qual escrevi já quase metade da mesa. Enquanto todos vão “dançando” (considere-se este conceito a ação de abanar sem nexo o maior número de membros possível ao mesmo tempo), faço que as minhas palavras dancem, de uma forma muito mais subtil, espero, ao longo deste circular pedaço de papel. Quando a noite chegar ao fim, um empregado, que mesmo tendo passado o dia a servir às mesas terá a sua camisa branca mais limpa do que a minha (vantagens de se ser empregado e não convidado, diga-se de passagem), arrancará, sem emoção, esta toalha que me serviu de computador durante alguns minutos. Prefiro escrever à mão, pois sinto-me eu. Tenho total controlo sobre o que escrevo. Ao escrever no computador, sinto-me mais os outros. E sinto que não controlo o computador, e que é ele que me controla. Odeio computadores.
No entanto, há uma semelhança entre mim e os computadores. Não temos namorada. Mais depressa verei um computador a namoriscar com uma máquina fotográfica do que eu com alguma rapariga. E sabem que mais? Também não me importo! Pelo menos, não me caso. Nem me divorcio. É que, ainda mais do que computadores, odeio casamentos.
Alexandre Martins, 9ºA