Pensando nos alunos que este ano estudaram o conto George, de Maria Judite de Carvalho, publico dois poemas que estabelecem relações temáticas com esse conto.
No primeiro, Elisabeth Bishop, poeta norte-america (1911-1979), apresenta-nos uma reflexão aparentemente ligeira sobre a aprendizagem da perda e o caminho do luto.
O outro, de Amalia Bautista, poeta espanhola nossa contemporânea, versa sobre laços, memórias, desprendimento...
São dois poemas admiráveis e invulgares. Convido-vos a todos a lê-los e a deixarem-se surpreender.
Elisabet Bishop |
UMA ARTE
A arte de
perder não é difícil de se dominar;
tantas coisas parecem cheias da intenção
de se perderem que a sua perda não é uma calamidade.
Perder
qualquer coisa todos os dias. Aceitar a agitação
de chaves perdidas, a hora mal passada.
A arte de perder não é difícil de se dominar.
Então procura
perder mais, perder mais depressa:
lugares e nomes e para onde se tencionava
viajar. Nenhuma destas coisas trará uma calamidade.
Perdi o
relógio da minha mãe. E olha! a última, ou
a penúltima, de três casas amadas desapareceu.
A arte de perder não é difícil de se dominar.
Perdi duas
cidades encantadoras: E, mais vastos ainda,
reinos que possuía, dois rios, um continente.
Sinto a falta deles, mas não foi uma calamidade.
- Mesmo o
perder-te (a voz trocista, um gesto
que amo) não foi diferente disso. É evidente
que a arte de perder não é muito difícil de se dominar
mesmo que nos pareça (toma nota!) uma calamidade.
Elisabeth Bishop, in Poemas de Marianne Moore e Elisabeth Bishop, tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Amalia Bautista |
FAÇAMOS UMA LIMPEZA GERAL
que não nos servem para nada, essas
coisas que já não usamos, as que
não prestam senão para ganhar pó,
e em que tentamos nem reparar porque
nos trazem as lembranças mais amargas,
coisas que magoam, que ocupam espaço
e nunca quisemos perto de nós.
Façamos uma limpeza geral,
ou melhor ainda, uma mudança,
deixando para trás todas as coisas
sem lhes tocarmos, sem nos sujarmos,
deixemo-las onde sempre estiveram,
vamo-nos nós embora, meu amor,
e recomecemos a acumular.
Ou vamos deitar fogo a tudo isto,
vamos ficar em paz com essa imagem
das brasas do mundo perante os olhos
e com o coração desabitado.
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