2 de março de 2021

A ARTE DA PERDA

Pensando nos alunos que este ano estudaram o conto George, de Maria Judite de Carvalho, publico dois poemas que estabelecem relações temáticas com esse conto. 

No primeiro, Elisabeth Bishop, poeta norte-america (1911-1979), apresenta-nos uma reflexão aparentemente ligeira sobre a aprendizagem da perda e o caminho do luto.  

O outro, de Amalia Bautista, poeta espanhola nossa contemporânea, versa sobre laços, memórias, desprendimento...

São dois poemas admiráveis e invulgares. Convido-vos a todos a lê-los e a deixarem-se surpreender.

Elisabet Bishop


                     
 UMA ARTE

A arte de perder não é difícil de se dominar;
tantas coisas parecem cheias da intenção
de se perderem que a sua perda não é uma calamidade.

Perder qualquer coisa todos os dias. Aceitar a agitação
de chaves perdidas, a hora mal passada.
A arte de perder não é difícil de se dominar.

Então procura perder mais, perder mais depressa:
lugares e nomes e para onde se tencionava
viajar. Nenhuma destas coisas trará uma calamidade.

Perdi o relógio da minha mãe. E olha! a última, ou
a penúltima, de três casas amadas desapareceu.
A arte de perder não é difícil de se dominar.

Perdi duas cidades encantadoras: E, mais vastos ainda,
reinos que possuía, dois rios, um continente.
Sinto a falta deles, mas não foi uma calamidade.

- Mesmo o perder-te (a voz trocista, um gesto
que amo) não foi diferente disso. É evidente
que a arte de perder não é muito difícil de se dominar
mesmo que nos pareça (toma nota!) uma calamidade.

Elisabeth Bishop, in Poemas de Marianne Moore e Elisabeth Bishop, tradução de Maria de Lourdes Guimarães


Amalia Bautista

 FAÇAMOS UMA LIMPEZA GERAL

Façamos uma limpeza geral,
vamos deitar fora todas as coisas
que não nos servem para nada, essas
coisas que já não usamos, as que
não prestam senão para ganhar pó,
e em que tentamos nem reparar porque
nos trazem as lembranças mais amargas,
coisas que magoam, que ocupam espaço
e nunca quisemos perto de nós.
Façamos uma limpeza geral,
ou melhor ainda, uma mudança,
deixando para trás todas as coisas
sem lhes tocarmos, sem nos sujarmos,
deixemo-las onde sempre estiveram,
vamo-nos nós embora, meu amor,
e recomecemos a acumular.
Ou vamos deitar fogo a tudo isto,
vamos ficar em paz com essa imagem
das brasas do mundo perante os olhos
e com o coração desabitado.
Amalia Bautista, in Cuéntamelo otra vez, 1999 (tradução de Mudanças & Companhia)


Sem comentários: