Iniciamos a vitrina deste ano com um texto divertido e muito bem escrito. Leiam, que vale a pena!
Pintura de Joan Mitchell |
Existem muitos tipos de portas: portas de correr, portas de giro, portas pivotantes, - sim, este nome é muito estranho, mas a internet diz que são portas elegantes e modernas, que giram em torno de um eixo vertical – portas de vidro, portas às riscas amarelas e às bolinhas azuis, … e a porta da minha escola. Uma porta que me faz fazer perguntas às quais não consigo responder, pois sempre que passo por ela tenho receio de não sair de lá viva. Mas nem sempre foi assim.
Antes, naquele preciso lugar, encontrava-se uma porta manual, coberta de alumínio, dividida naquelas três janelas de vidro, que faziam com que cada pedaço de luz – do primeiro ao último raio de sol do dia – entrasse pela escola dentro, iluminando-a todo o dia. Era aberta por uma auxiliar, que, pressionada pelos alunos que não queriam andar mais um bocadinho e entrar pela porta do outro lado, premia a maçaneta preta, abrindo-a.
Naquela altura, era tudo tão simples. Apenas abriam a porta às oito da manhã e fechavam-na às sete da tarde, mas, de um dia para o outro, sem mais nem menos, uma porta automática ocupou o seu lugar. Uma porta que só abre quando qualquer aluno da escola passa o seu cartão pelo sensor ao seu lado. Nos primeiros dias, achei que era boa a ideia de mudarmos de porta, já que a outra estava a ficar velha, mas esse sentimento não durou muito tempo.
O problema começa quando a porta, já aberta por um aluno qualquer, permanece na mesma posição enquanto eu quero por ela passar. Nesse mesmo instante, cruzam-se os nossos olhares. – O que parece absurdo, já que ela é uma porta, e as portas não têm olhos, mas se estivessem no meu lugar, iriam perceber – Deixei o cartão na sala e quero atravessar a porta sem pedir a outra pessoa para a abrir por mim, e ela não facilita! Estou quase a conseguir e, não sei como raio acontece, mas, no momento exato em que estou entre a escola e a rua, ela fecha-se. Fico presa. Não me aleijo, pois, após bater em mim, aquela pequena assassina faz ricochete e volta para o seu devido lugar. O verdadeiro problema é a vergonha que apanho à frente de todos aqueles meus colegas que me veem naquele estado em que, quase tendo sido esmagada, continuo a andar para a frente, fingindo que nada aconteceu.
Como veem, aquela porta tem alguma coisa a esconder. Uma coisa sombria que está por detrás daqueles seus dois grandes vidros, envolvidos em alumínio que são estranhamente perfeitos, se calhar perfeitos de mais para ser verdade. Não sei o que é, mas tenho algumas teorias que poderão ser verdadeiras.
A primeira opção é que ela foi enviada pelo governo para que, quando me tocasse, com uma espécie de magnetismo, me tirasse o dinheiro que tenho no bolso, o que pode ser verdade, já que o governo faz de tudo para nos roubar, nem que sejam os mais pequenos trocos. Esta teoria também explicaria o facto de nunca me lembrar onde pus o meu dinheiro, ficando baralhada com tudo isso, pensando que sou uma esquecida, o que também é verdade, mas não neste caso.
Também poderá ser obra da polícia. Uma espécie de detetor de metais que deteta drogas, o que facilitaria imenso o trabalho deles. Assim pensando, quando a porta nos aperta, sente se temos alguma coisa dentro da roupa, descobrindo assim se o aluno possui drogas ou não, e dar àqueles pequenos contrabandistas uma estadia grátis na cadeia, ou numa casa de correção. O que acabaria com todas as minhas questões acerca dos ditos casos impossíveis que os polícias desvendam com sucesso e que me fazem pensar que eles são uma espécie de bruxos, ou algo do género.
Poderia ser um extraterrestre e não uma porta. Um daqueles vindo de Andrómeda ou de outra galáxia com um nome ainda mais estranho que este, que a NASA ousa dizer que não existem, mas mesmo assim acredito que possam ser reais. Eles transformar-se-iam em portas, na esperança de nos apanhar de surpresa, levando-nos para o seu planeta, fazendo de nós reis deles. Ainda bem que nunca lá fiquei presa, ou não estaria aqui. Mas todos os dias imagino como seria ser sua rainha.
Viveria numa grande casa feita de madeira. Eles adorar-me-iam, tentando sempre agradar-me, portanto, guitarras, pianos e trompas não faltariam e olhariam para o mais simples hábito humano (como cortar as unhas) como um ato de proeza e excelência. Teria o meu próprio exército com poderes aos quais ninguém se poderia impor. Seria o ser mais poderoso de toda aquela galáxia, comandando tudo e todos. Saberia todos os segredos da tecnologia, como o teletransporte funciona, as viagens no tempo, ... guardando-os a sete chaves na minha cabeça. Comeria pudim a toda a hora. Pudim ao pequeno-almoço, pudim ao lanche, pudim ao jantar, pudim em todo o lado!
Por outro lado, os extraterrestres podem ter perdido um dos seus e andarem à procura dele na minha escola. Um daqueles verdes, com uns grandes olhos azuis esbugalhados, que se teria mascarado de humano para se confundir connosco e assim (tentar) viver uma vida normal aqui na Terra. E se eu o conhecesse? Poderia ser aquele rapaz que está sempre calado, a quem dirijo a palavra e ele não me passa cartão. Ou poderia ser aquela rapariga que me dá muitos abraços apertados que, na verdade, podem não ser abraços e sim métodos de estrangulamento.
Era capaz de passar mais algumas horas a enumerar coisas que aquela porta poderá ser, mas, pensando bem, pode ser simplesmente uma porta que, sendo diferente da antiga, me deixou com saudades desta, fazendo com que não gostasse dela, ao princípio, e suspeitar dos atos que ela faz como porta, atos com segundas intenções. Como veem, é difícil aceitar as mudanças, mas, com o passar do tempo, as novidades passam só a ser coisas atuais, que se vão introduzindo à medida que o tempo vai passando.
Sofia Saturnino, 9ºB
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