Auto-retrato publicado no nº 2 da revista Athena, 1924 |
Cumpriram-se no dia 8 de Abril 120 anos sobre o nascimento deste artista versátil que foi um dos companheiros de Fernando Pessoa na aventura de Orpheu. Nascido em 1893 em São Tomé e Príncipe, morre em 1970, em Lisboa, no mesmo quarto de hospital em que Fernando Pessoa falecera, décadas antes.
Da pintura ao desenho, à ilustração, ao romance, à poesia, à dramaturgia, ao ensaio, Almada Negreiro, o menino com olhos de gigante, moveu-se, com a mesma genialidade, entre as artes plásticas e a literatura.
Homenageamo-lo aqui, propondo a leitura da página que lhe é dedicada em Vidas Lusófonas; e ainda a audição do célebre e irreverente Manifesto anti-Dantas, numa excelente interpretação do actor Mário Viegas.
E por fim este poema que, durante muitos anos, foi bem conhecido pelos alunos portugueses, já que era incluído em quase todas os manuais de português. Nos últimos tempos, no entanto, perdeu-se da memória escolar. Aqui fica, bem ritmado, ao gosto da poesia popular e a fazer lembrar o nosso Romanceiro:
LUÍS, O POETA, SALVA A NADO O POEMA
Era uma vez
Era uma vez
um português
de Portugal.
O nome Luís
há-de bastar
toda a nação
ouviu falar.
Estala a guerra
e Portugal
chama Luís
para embarcar.
Na guerra andou
a guerrear
e perde um olho
por Portugal.
Livre da morte
pôs-se a contar
o que sabia
de Portugal.
Dias e dias
grande pensar
juntou Luís
a recordar.
Ficou um livro
ao terminar.
muito importante
para estudar:
Ia num barco
ia no mar
e a tormenta
vá d'estalar.
Mais do que a vida
há-de guardar
o barco a pique
Luís a nadar.
Fora da água
um braço no ar
na mão o livro
há-de salvar.
Nada que nada
sempre a nadar
livro perdido
no alto mar.
_ Mar ignorante
que queres roubar?
A minha vida
ou este cantar?
A vida é minha
ta posso dar
mas este livro
há-de ficar.
Estas palavras
hão-de durar
por minha vida
quero jurar.
Tira-me as forças
podes matar
a minha alma
sabe voar.
Sou português
de Portugal
depois de morto
não vou mudar.
Sou português
de Portugal
acaba a vida
e sigo igual.
Meu corpo é Terra
de Portugal
e morto é ilha
no alto mar.
Há portugueses
a navegar
por sobre as ondas
me hão-de achar.
A vida morta
aqui a boiar
mas não o livro
se há-de molhar.
Estas palavras
vão alegrar
a minha gente
de um só pensar.
À nossa terra
irão parar
lá toda a gente
há-de gostar.
Só uma coisa
vão olvidar
o seu autor
aqui a nadar.
É fado nosso
é nacional
não há portugueses
há Portugal.
Saudades tenho
mil e sem par
saudade é vida
sem se lograr.
A minha vida
vai acabar
mas estes versos
hão-de gravar.
O livro é este
é este o canto
assim se pensa
em Portugal.
Depois de pronto
faltava dar
a minha vida
para o salvar.
Almada Negreiros, poema escrito em Madrid, em Dezembro de 1931
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