26 de janeiro de 2015

Caminho da manhã



Sophia de Mello Breyner Andersen, um texto belíssimo, exemplarmente dito por Eunice Muñoz:

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.


Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.


in Livro Sexto, 1962

21 de janeiro de 2015

Ricardo Reis e Álvaro de Campos



Ricardo Reis e Álvaro de Campos são talvez os mais diferentes heterónimos pessoanos. Enquanto um vive numa introspectiva e estóica abdicação dos seus desejos, o outro ilude-se, experimenta e desilude-se.

Ao passo que o poeta helenista se enquadra harmoniosamente numa natureza mitológica, o revolucionário ferve em ateias odes futuristas à máquina e ao progresso. Se um é consolado, o outro é inconsolado e inconsolável com a efemeridade da vida e as limitações da racionalidade humana.

Enquanto Reis expressa, de forma requintada e elegante, os ideais de perfeição de espírito em que se refugia, Campos desabafa, de forma confessional, subversiva e estridente, a revolta face a  um mundo “que é para quem nasce para o conquistar/ E não para quem sonha que pode conquistá-lo”. 

Beatriz Lourenço, 12º E

19 de janeiro de 2015

Ainda a propósito do conceito de felicidade

Bonheur de vivre (1905), pintura de Matisse
A definição de felicidade e do modo como a alcançamos tem vindo a alterar-se ao longo das gerações. Atualmente, considera-se que, para se ser feliz, é necessário dinheiro, e só depois podemos encontrar felicidade. Eu defendo que a única maneira de nos sentirmos felizes é encontrarmos algures um sentimento de realização.

No meu entender, esse sentimento de realização é atingido de duas formas. A primeira remete-nos para o cumprimento de objetivos, e a segunda para o altruísmo em relação aos outros.

O cumprimento de objetivos está relacionado com o que definimos para a nossa vida como sendo prioritário. Se o processo para o conseguirmos foi extremamente difícil e o esforço que fizemos foi imenso, somos invadidos por uma felicidade extrema, sentimo-nos realizados. Temos o exemplo de Albert Einstein que, a uma determinada altura da sua vida, definiu como objetivo completar a teoria da Relatividade e, quando o conseguiu, disse: “Já posso partir em paz porque o meu trabalho na terra está completo”. Os humanos, frequentemente, definem objetivos mais banais, como ser médico ou ter 20 a matemática. Mas todos estes pequenos objetivos acabam por contribuir para a nossa felicidade. 

Existe outra forma de alcançar a felicidade que é colocar-se em risco para ajudar os outros. Os que o fazem sentem que a sua  vocação é ajudar o próximo, fazer o melhor que podem para tornar o mundo ligeiramente melhor, como o caso de Madre Teresa de Calcutá, que tinha consciência de que o que fazia era “uma gota no oceano”, mas sabia que era o seu altruísmo que lhe trazia alegria. 

Concluindo, existem várias formas de alcançar a felicidade e cada um de nós tem a sua definição de felicidade e uma ideia do que fazer para atingi-la, no entanto, acho que todas essas definições acabam por convergir para a afirmação de Pessoa: “ser feliz consiste/Apenas em ser feliz”.


Gonçalo Borges, 12.º A

14 de janeiro de 2015

Ler Gabriel Garcia Marquez


Gabriel García Marquez (1927-2014), escritor colombiano, criador do chamado realismo mágico sul-americano e vencedor do prémio Nobel da literatura em 1982, foi um dos mais notáveis escritores do século XX, como atestam os seus fabulosos romances Cem anos de Solidão ou O Amor nos Tempos da Cólera.


Para aqueles que leem em castelhano, alguns dos seus grandes livros estão disponíveis na rede e podem ser descarregados gratuitamente em PDF:


12 de janeiro de 2015

Nem sei o que dizer

Ilustração de Carmen L. Brownw


Nem sei o que dizer
Sobre coisas de pasmar
Nem sei o que fazer
Sobre coisas de rimar

Este grande dilema
Não sei bem como resolver
Quase fico sem ar
Só de pensar em escrever

Não sei bem o que é viver
Neste mundo de prazer
Não há outro igual
E só me apetece conviver

Duarte Carmo, 10ºB

11 de janeiro de 2015

Ser feliz consiste apenas em ser feliz


Viktor Popkov - Natureza morta em colcha de retalhos 
Fernando Pessoa escreve, a determinado momento, que “…ser feliz consiste/ Apenas em ser feliz”. Isto parece-me uma redundância que pretende expressar que a felicidade se alcança de uma forma não pensada, apenas sentida. Não estou de acordo com esta perspetiva. Parece-me, antes, que a felicidade se encontra no balanço frágil entre o pensar e o sentir.

Ser feliz sem pensar é bom, até saboroso. A felicidade apresenta-se de um modo simples, como algo que sentimos e nos inunda de alegria. Mas, assim como o sentir frio passa, também o sentir a felicidade pode passar, e depois, quando não a sentimos mais, nesse momento surge dentro de nós um vazio que pode ser muito destrutivo.

Por outro lado, viver a felicidade de uma forma demasiado refletida leva-nos a deixar de a sentir, torna-nos demasiado ponderadores, leva-nos a pesar cada aspeto dessa bem-aventurança, o que a faz diminuir e, por fim, desaparecer, tornando qualquer motivo de felicidade insuficiente aos olhos do nosso pensamento.

Ao contrário das anteriores perspetivas, penso que viver a felicidade, um dia de cada vez, cria um balanço entre o sentir e o pensar. Pensando menos e aceitando cada dia, meditamos na felicidade de uma forma agradável, conciliando o nosso conhecimento com aquilo que experimentamos. E pensar menos permite-nos sentir mais e viver o nosso bem-estar de uma forma mais intensa e real.

Em conclusão, o verdadeiro modo de alcançar a felicidade encontra-se na disponibilidade para vivermos um dia de cada vez e na disciplina para equilibrarmos pensamento e emoções.

                                                                      Francisco Loureiro, 12º A

6 de janeiro de 2015

JANEIRAS


Ó de casa, alta nobreza,
Mandai-nos abrir a porta,
Ponde a toalha na mesa
Com caldo quente da horta!

Teni, ferrinhos de prata,
Ao toque desta sanfona!
Trazemos ovos de prata
Fresquinhos, prá vossa dona.

Senhora dona de casa,
À ilharga do seu Joaquim,
Vermelha como uma brasa
E alva como um jasmim!

Vimos honrar a Jesus
Numas palhinhas deitado:
O candeio está sem luz
Numa arribana de gado.

Mas uma estrela dianteira
Arde no céu, que regala!
A palha ficou trigueira,
Os pastorinhos sem fala.

Dá-lhe calorzinho a vaca,
O carvoeiro uma murra,
A velha o que traz na saca,
Seus olho mansos a burra.

Já as janeiras vieram,
Os Reis estão a chegar,
Os anos amadurecem:
Estamos para durar!

Já lá vem Dom Melchior
Sentado no seu camelo
Cantar as loas de cor
Ao cair do caramelo.

O incenso, mirra e oiro,
Que cheirais e luzis tanto,
Não valeis aquele tesoiro
Do nosso Menino santo!

Abride a porta ao peregrino,
Que vem de num longe, à neve,
De ver nascer o Menino
Nas palhinhas do preseve.

Acabou-se esta cantiga,
Vamos agora à chacota:
Já enchemos a barriga,
Sigamos nossa derrota!

Rico vinho, santa broa
Calça o fraco, veste os nus!
Voltaremos a Lisboa
Pró ano, querendo Jesus

Vitorino Nemésio



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Cantar as janeiras era uma tradição portuguesa em que grupos de pessoas iam de porta em porta, pela vizinhança, entoando músicas que anunciavam o nascimento de Jesus e expressavam votos de bom ano. As janeiras começavam a 1 de Janeiro e estendiam-se até dia de Reis. 
Terminada a canção, o grupo de cantores esperava que os donos da casa oferecessem as janeiras: castanhas, nozes, maçãs, chouriças, morcelas...
As canções tinham letras simples, sendo normalmente quadras em louvor do Menino Jesus, de Nossa Senhora e de São José, bem como das pessoas que davam janeiras generosos. Havia também quadras sarcásticas, reservadas aos que nada davam.

25 de dezembro de 2014

UM POEMA DE NATAL POR DIA #8

             
pintura de Gioto

           NATAL

-“ Minha mãe, por que Jesus,
Cheio de amor e grandeza,
Preferiu nascer no mundo
Nos caminhos da pobreza?

Por que não veio até nós
Entre flores e alegrias,
Num berço todo enfeitado
De sedas e pedrarias”?

- “Acredito, meu filhinho,
Que o mestre da caridade,
Mostrou em tudo e por tudo,
Aluminosa humildade!…

Às vezes penso também,
Nos trabalhos deste mundo,
Que a manjedoura revela
Ensino bem mais profundo!”

E a pobre mãe de olhos fixos
Na luz do céu que sorria,
Concluiu com sentimento
Em terna melancolia:

- “Por certo, Jesus ficou
Nas palhas, sem proteção,
Por não lhe abrirmos na Terra
As portas do coração”.

João de Deus

23 de dezembro de 2014

UM POEMA DE NATAL POR DIA # 7

pintura de Odilon Redon
ROSAS DE INVERNO

Corolas, que floristes
Ao sol do inverno, avaro,
Tão glácido e tão claro
Por estas manhãs tristes.

Gloriosa floração,
Surdida, por engano,
No agonizar do ano,
Tão fora da estação!

Sorrindo-vos amigas,
Nos ásperos caminhos,
Aos olhos dos velhinhos,
Às almas das mendigas!

Desse Natal de inválidos
Transmito-vos a bênção,
Com que vos recompensam
Os seus sorrisos pálidos.

Camilo Pessanha

22 de dezembro de 2014

UM POEMA DE NATAL POR DIA # 6

ilustração de Maria Keil
NATAL DE 1971

Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?

Jorge de Sena

21 de dezembro de 2014

UM POEMA DE NATAL POR DIA # 5

fotografia de Horácio de Novaes
NATAL CHIQUE

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.

Vitorino Nemésio

20 de dezembro de 2014

Um poema de Natal por dia # 4

          

Fuga para o Egipto, pintura de Vittore Carpaccio, séculos XV-XVI
 HISTÓRIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

                       Miguel Torga

19 de dezembro de 2014

UM POEMA DE NATAL POR DIA # 3

ilustração de Maria Keil

A NOITE DE NATAL

Em a noite de Natal
Alegram-se os pequenitos;
Pois sabem que o bom Jesus
Costuma dar-lhes bonitos.

Vão se deitar os lindinhos
Mas nem dormem de contentes
E somente às dez horas
Adormecem inocentes.

Perguntam logo à criada
Quando acode de manhã
Se Jesus lhes não deu nada.

– Deu-lhes sim, muitos bonitos.
– Queremo-nos já levantar
Respondem os pequenitos.

                 Mário de Sá-Carneiro

18 de dezembro de 2014

Um poema de Natal por dia # 2

pintura de Claude Monet

Chove. É dia de Natal. 
Lá para o Norte é melhor: 
Há a neve que faz mal, 
E o frio que ainda é pior. 

E toda a gente é contente 
Porque é dia de o ficar. 
Chove no Natal presente. 
Antes isso que nevar. 

Pois apesar de ser esse 
O Natal da convenção, 
Quando o corpo me arrefece 
Tenho o frio e Natal não. 

Deixo sentir a quem quadra 
E o Natal a quem o fez, 
Pois se escrevo ainda outra quadra 
Fico gelado dos pés. 

Fernando Pessoa

16 de dezembro de 2014

Um poema de natal por dia #1

DIA DE NATAL

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela, se multiplica em gestos esfuziante,
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha em pijama.

Ah!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão