Hoje é a vez de o Alexandre Martins, do 9.º ano, nos dar a ler uma divertida crónica sobre lápis que desaparecem misteriosamente e sobre decisões irrefutáveis... Mas não irrevogáveis, como se verá.
fotografia de James Troi |
Gostava de saber onde vai parar tudo o que coloco na minha bolsa. Sendo estudante de Ciências e Tecnologias, já devia conseguir calcular a probabilidade de a bolsa ter um fundo falso, identificar a função sintática que esse mesmo fundo representa na minha bolsa, ou, ainda, explicar, baseando-me na teoria de um senhor importante na Física, que a rapidez média de tudo o que deposito na minha bolsa teria sempre um valor maior que zero. Mas não consigo, e, por isso, só me resta matutar sobre a localização atual dos meus pertences.
Como sou uma pessoa claramente simpática e bem-humorada, nunca recuso, quando alguém me pede um lápis ou uma caneta. E, como também tenho o hábito de confiar nas pessoas a quem empresto o meu material escolar, impeço-me de proferir a célebre frase: “Empresto-te este lápis, mas ele leva um “V” na ponta, o “V” de volta”. Só que tenho vindo a constatar que os meus lápis e canetas têm desaparecido. Indago-me sobre qual terá sido a criatura com poderes divinos que me roubou o lápis, até que chego à conclusão que o emprestei ao Alberto Albino e que ele ainda não mo devolveu. Estranho, muito estranho mesmo. É que ainda hoje o vi a pedir um lápis emprestado ao Fábio Francisco… O que será que o Alberto fez ao meu pobre lápis!? Tenho de lhe perguntar amanhã, sem falta!
Comecei o ano com três lápis de carvão, quatro canetas de cor, uma borracha e uma afiadeira. Encontro agora na minha bolsa meio lápis de carvão afiado de ambos os lados, um pedaço de um teste onde joguei sozinho o jogo do galo, para ter a certeza que ganhava, uma bolacha Maria e um lenço de papel sujo. Por estranho que pareça, nunca ninguém me pediu o lenço emprestado ou o veio roubar da minha bolsa. Deve sentir-se injustiçado, pobre lenço.
Tomei a irrefutável decisão de assinalar todos os meus pertences escolares com uma etiqueta branca, que tem escrita o meu nome em letras bem legíveis. Mas, por outro lado, apercebi-me de que o meu nome é João, e, só no meio da selva a que chamam “turma”, e onde me insiro, existem, pelo menos, mais uns quatro “Joões”. E, só para piorar a situação, três dos “Joões” da minha turma chamam-se João Pedro. Pensam vocês que a solução seria colocar apenas João e o meu sobrenome, não é?! Mas enganam-se! Um dos “Joões” Pedro tem o mesmo apelido que eu! Como é possível?! Também não me questionem!
Mudei de opinião. Afinal, a minha decisão não era assim tão irrefutável. Até porque nem sei o que irrefutável significa, sinceramente. No entanto, ouvi essa palavra no “Jornal das 8”, e as pessoas do Jornal nunca se enganam. Pelo menos não deviam. E eu só ia perder tempo e trabalho ao etiquetar todos os lápis e canetas.
Voltando à minha turma. Entretanto, deixei de a considerar uma “selva”. Passei a considerá-la algo ainda inferior. É que nunca ouvi relatos de um leão que tivesse roubado um lápis a uma hiena. Nem de um tigre que tivesse pedido emprestada uma caneta a um falcão, e que este não a tivesse devolvido. Assim se vê o nível inferior daquelas vinte e nove “criaturas”, como nos chama, carinhosamente, a professora de Matemática.
Ah, e esquecem-se que isto do tráfico de lápis tem consequências. E das graves. Quando tenho aulas com aqueles professores mesmo rigorosos, como a “stora” de Português, levo sempre falta de material por não ter lápis ou caneta. Quando a culpa nem sequer foi minha! Que intransigente! O pior foi no dia em que a própria professora se esqueceu do manual da disciplina. Prontamente, argumentei que devia existir algum mecanismo ou forma de os professores serem igualmente punidos quando se esquecem do material. Fui expulso, por alegadas ofensas à autoridade. Nem quero esperar pelo final do período, quando for conhecida a sentença… Vai ser, decerto, um duro julgamento! Em suma, fiquei quase toda a aula no corredor, a falar com as moscas. Ao menos essas não me roubam lápis, nem me marcam faltas de material.
Lembrei-me de outra teoria para os lápis. Acho que quem mos anda a roubar pode sofrer de “abelhomania” (obsessão por abelhas) e daltonismo, em simultâneo. Devem pensar que os lápis são abelhas e roubam-nos para aumentar a sua própria coleção. Quando perceberem que nunca vão produzir mel, pode ser que caiam em si e me devolvam os lápis. Espero que isso aconteça.
Tomei a minha decisão final. E vou classificá-la como irrefutável de novo, já que soa bem. Estou quase um “Camões” feito! É uma ideia de génio, realmente! Se embrulhar todos os meus lápis e canetas com lenços ranhosos, nunca mais ninguém os vai desviar da sua rota, como os terroristas fazem com alguns aviões! Sim, porque permitam-me considerar esta história dos lápis um extremo ato de terrorismo! Digno de uma posição de destaque no meu estimado “Jornal das 8”. Mas, mesmo assim, o que mais temo neste tipo de terrorismo é mesmo a altura em que a bomba rebenta, os canhões explodem, as armas disparam. Deviam ser vocês a enfrentar a minha mãe quando lhe digo que já não tenho lápis de carvão e que preciso de comprar mais. Nem nunca cheguei a perceber o que ela diz quando está naquele estado de plena fúria. Balbucia uns sons, gagueja uns ditongos, gorjeia uns hiatos. Sem segundos sentidos, parece árabe. E, eu, João, nem percebo árabe, irrefutavelmente.
Alexandre Martins, 9ºA
1 comentário:
Sim, senhora, digo ser classificado como um herói à boa maneira de Camões. Faça agora uma epopeia, na qual seja o protagonista e eu comprá-la-ei!
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