O jornal Estado de S. Paulo convidou a professora Cleonice Berardelli, a maior especialista em Fernando Pessoa, no Brasil, a fazer perguntas a Luís Miguel Roza Dias, sobrinho de Pessoa. Memórias infantis - Miguel Roza Dias tinha cinco anos quando o tio morreu - e tão distantes "valem o que valem", mas não deixam de nos iluminar acerca do poeta.
Fabio Motta/Estadão
«A convite do Estado, a professora Cleonice Berardinelli formulou perguntas para Luis Miguel Roza Dias, médico e escritor, que conviveu com o tio escritor nos últimos cinco anos de vida.
Íntima conhecedora da obra de Pessoa, Cleonice preferiu questionar Roza Dias justamente sobre esse pequeno período de convivência, buscando montar um perfil do homem em seu cotidiano: o sujeito brincalhão, que aprontava com a irmã e inventava passatempos para os sobrinhos. Leia, a seguir, o resultado da conversa.
Lembra-se de alguma atitude divertida do tio Fernando?
Poderia dar vários exemplos, pois o meu tio brincava bastante comigo e com a minha irmã. Duma eu me lembro bastante bem, pois se passou diretamente comigo. Estávamos todos em casa e haveria uma festa, possivelmente de aniversário, pois estavam mais pessoas lá em casa a festejar não sei o quê. Às duas por três, eu teria desaparecido do convívio, tendo alguém perguntado por mim. Como eu era o mais pequeno conviva, ficaram todos alarmados à minha procura, pois quando uma criança da minha idade desaparece da vista, é porque estará, quase sempre, a fazer asneira. Toda a gente procurava por todos os lados, até que foi o meu tio que me encontrou. Eu tinha me escondido de baixo da mesa da casa de jantar e tapado com a toalha da mesa que chegava quase ao chão e estava tranquilamente sentado no chão a chupar uma rolha de um garrafão de vinho tinto! O meu tio Fernando ao deparar o seu sobrinhito naquele preparo, fartou-se de rir e exclamara alto e em bom som: "Temos Homem!". Como se sabe, ele gostava da sua "pinga", embora ninguém o tivesse visto ébrio.
Sua companhia era agradável aos meninos? Ou fazia-lhes medo?
Como era o nosso "único e verdadeiro" tio a viver conosco, gostávamos dele como dos nossos pais. Era lá da casa. Ainda por cima, ria e brincava conosco, prestando-se muito sério a, por vezes, que a minha irmã, mais velha do que eu, fingisse fazer-lhe a barba, como já tinha visto o tio fazer na Barbearia do Sr. Manacés, em frente à nossa casa. Eu, por ser mais pequeno, passava a ser só ajudante de barbeiro. Quando estávamos na casa da praia, ia-nos visitar todos os fins de semana, trazendo sempre presentinhos. Ansiávamos recebê-los, e ele gozava em dá-los.
Lembra-se de ter ouvido o tio dizer algum outro poeminha? Qual ou quais?
Negativo. Ele, quando chegava, na maioria das vezes, ia para o seu quarto e, pelo que nos contava a nossa mãe, ficava longo tempo a escrever de pé sobre o tampo da cômoda que tinha no quarto. Sei que a mim dedicou dois versos, um chamava-se O Menino do Caracol, pois eu, com os meus 2 anos, usava um caracol de cabelo no alto da cabeça como era costume as mães pentearem os seus filhos. O segundo poema chamava-se Rondeau e, ao menino que ele se referia, era o "BI", que era o diminutivo que ele me dera em que o "B" era de bebê e o "I" de Lu"I"z.
Como era o som de sua voz? Valorizava ou não o que dizia? Era agradável, rica, sonora?
Confesso que não me lembro. Era a voz do tio que vivia conosco, agradável, com certeza e, que eu me lembre, nunca se zangava.(O texto, reproduzido com supressões, pode ser lido na íntegra aqui)
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