SCHUMANN POR HOROWITZ *
São herança camponesa, as mãos.
Estas pequenas mãos, de geração
em geração, vêm de muito longe:
amassaram a cal, abriram sulcos
frementes na terra negra, semearam
e colheram, ordenharam cabras,
pegaram em forquilhas para limpar
currais: de sol a sol nenhum
trabalho lhes foi alheio.
Agora são assim: frágeis, delicadas,
nascidas para dar corpo a sons
que, noutras épocas, outras mãos
se obstinaram em escrever como
se escrevessem a própria vida.
Ao vê-las, ninguém diria que
a terra corria no seu sangue.
São mãos envelhecidas, mas no teclado
são capazes do inacreditável: juntar
nos mesmos compassos o rumor
dos bosques em Setembro e os risos
infantis a caminho do mar.
Estas pequenas mãos, de geração
em geração, vêm de muito longe:
amassaram a cal, abriram sulcos
frementes na terra negra, semearam
e colheram, ordenharam cabras,
pegaram em forquilhas para limpar
currais: de sol a sol nenhum
trabalho lhes foi alheio.
Agora são assim: frágeis, delicadas,
nascidas para dar corpo a sons
que, noutras épocas, outras mãos
se obstinaram em escrever como
se escrevessem a própria vida.
Ao vê-las, ninguém diria que
a terra corria no seu sangue.
São mãos envelhecidas, mas no teclado
são capazes do inacreditável: juntar
nos mesmos compassos o rumor
dos bosques em Setembro e os risos
infantis a caminho do mar.
Eugénio de Andrade
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* Vladimir Horowitz (1903-1989) é considerado um dos mais brilhantes pianistas de todos os tempos. Diz-nos Eugénio de Andrade, no poema acima, que, ao tocar uma peça de Schuman, as pequenas mãos de Horowitz têm o poder de acordar "o rumor dos bosques em Setembro” e o riso das crianças a caminho do mar. Oiçamo-lo então.
2 comentários:
Excelente!
Também gostei muito deste "casamento" poema-música, Zita :-)
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