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6 de junho de 2017

O Casamento: Uma cerimónia “espantante”!

Mais uma crónica de mão-cheia do Alexandre!
Pintura de Marc Chagall, 1939
Calmamente, e com cautela para não ser notado, faço uns rabiscos na toalha de papel que cobre a mesa onde me encontro. Uma das muitas mesas redondas que, estrategicamente posicionadas, preenchem a sala. Nestes dias, todas as pessoas deixam de parte os conflitos pessoais, vestem as suas melhores roupas, e o Amor, esse que matou Inês de Castro, a que "depois de morta foi rainha", paira no ar.

Encontro-me, obviamente, num casamento. É uma cerimónia que me provoca sempre um misto de emoções... Para começar, constrangimento. O momento da chegada ao local da cerimónia é o que anseio que mais rapidamente passe. Pessoas que descubro serem da minha família, mas que me conhecem como se convivessem comigo diariamente, exageram ao dizer: "Ah, olhem para ele! Já está mais alto do que a mãe!". E eu só penso: "Como se fosse difícil. Até um anão que pudesse viver no Portugal dos Pequeninos é quase do tamanho da mãe.". Enfim. Enchem-me a cara de batom vermelho-vivo, mancham a minha camisa branca com base e esmagam-me dentro dos seus largos braços. Refiro-me, claramente, às "indivíduas" do sexo feminino. Com os homens, o cenário é extremamente diferente. Apertamos a mão, sorrimos, e perguntamos como tem corrido a vida. Muito mais simples, limpo e confortável, acreditem.

Em segundo lugar, esta cerimónia motiva também o crescimento de um sentimento de comoção dentro de mim, dentro dos outros convidados, dentro de todos, mesmo dos que estão a ver os noivos pela primeira vez. Há sempre três razões para se estar presente num casamento: ser-se convidado por gosto, por obrigação ou mesmo nem se ser. Aparecer, comer, beber, rir, e voltar para casa. A noiva pensa “deve ser da família do meu querido noivo”, e o noivo pensa “deve ser da família da minha querida noiva”, portanto, ninguém se insurge contra aquela presença estranha. A comida, que aos noivos parece sempre pouca, mas que serve de alimentação nas duas semanas seguintes, acabaria também por se estragar. Voltando ao que interessa. Até nós, homens, que muitos acusam de carregarmos um coração de pedra, nos comovemos em alguns momentos. Quando a noiva entra, ao som da mais bela das melodias, exibindo o seu longo vestido pela Igreja adentro, ou mesmo quando os noivos prometem nunca se separarem, na saúde e na doença, na alegria ou na tristeza, são momentos que não nos passam despercebidos. Reagimos de forma diferente, pois sabemos como nos conter e impedir algumas lágrimas de nos correrem pela face abaixo, apenas isso.

Um facto curioso… Em 2016, estimou-se que em cada cem casamentos, setenta terminassem com um pedido de divórcio. Imaginemos que, em média, cada casamento tenha um total de cem convidados, contando com os noivos. Têm sempre muito mais, se contarmos com os que se auto-convidam, como já citei, mas esses não vão entrar nos meus cálculos. Cada um dos convidados compra uma nova roupa para estrear no casamento, e a cada um deles são servidas cinco refeições, no dia da cerimónia. Ou seja, se um casamento terminar em divórcio, cem novas roupas foram estreadas em vão e quinhentas refeições foram servidas desnecessariamente. Contudo, no dia importante, ninguém pensa que os noivos, dias mais tarde, em vez de subirem à mesa para se beijarem apaixonadamente, quando os convidados espancam violentamente os pratos, subirão antes os seus tons de voz, para se tentarem sobrepor numa acesa discussão.

Algo me intriga, nisto dos casamentos: à medida que o dia avança, as mulheres vão ficando cada vez mais pequenas. Até a minha mãe me pedir, aflitíssima, que fosse ao carro buscar os seus sapatos rasos, nunca tinha percebido este estranho fenómeno da diminuição da altura feminina ao longo do dia!

Antes de se chegar ao casamento, normalmente, os dois seres apaixonados conhecem-se, namoram e acabam por ficar noivos. Enalteço o advérbio “normalmente”, pois há sempre casos em que a conta bancária de um dos noivos se sobrepõe às duas últimas etapas que antecedem o casamento, já por mim mencionadas.

Noutros tempos, todas as raparigas eram uma espécie de Efire, "fugindo" dos seus pretendentes como esta ninfa tinha fugido de Leonardo, pobre e azarado nauta. Agora, são todas como as restantes ninfas...Atiram-se a quem têm debaixo de olho, sem pensar duas vezes. No meu entender, os papéis têm-se invertido. De momento, em vez de serem os "Leonardos" a correrem atrás das "Efires", são as "Efires" que perseguem ferozmente os "Leonardos". Nunca imaginou Camões que a sociedade tanto se fosse transformar, quando escreveu a obra que marca eternamente a nossa língua. 

Soube ontem que os noivos do último casamento ao qual fui não tinham estado juntos mais de um mês. É "espantante", como exclama sempre o meu irmão mais novo. E acho que a palavra "espantante" devia ser mesmo incluída no dicionário, para poder descrever este tipo de situações. São, deveras, "espantantes". O ser humano, refletindo, é algo "espantante". Consegue que o céu não seja o limite, e, ao mesmo tempo, limita tudo o que é seu. Uma felicidade que é jurada como sendo eterna é limitada por uma série de rixas sem fundamento. Foi o caso deste casal, que esteve casado alguns dias. Depois de vários meses a preparar a cerimónia, a procurar uma casa, a tentar comprar um carro, segue cada um o seu caminho, esquecendo todos os abraços, todos os bons momentos e todas as vezes que tiveram uma grande probabilidade de serem contagiados com sífilis ou mononucleose, doenças que se transmitem no ato do beijo.

Seguem-se meses cheios de problemas. Visitas ao registo civil para anular o que uns dias antes validaram, problemas com as partilhas, desentendimentos de ordem ideológica frequentes. Se eu fosse juiz, chamava algum representante da Igreja ao Tribunal para termos uma conversa séria. Em vez de os noivos prometerem nunca se separarem, nem na saúde, nem na doença, nem na alegria, nem na tristeza, deviam prometer estarem casados, pelo menos, durante dois meses, para que depois não se acumulassem casos de divórcios nos tribunais, que levam meses ou anos a resolver.

Acho que, por hoje, não consigo escrever mais. O atenuante barulho dos talheres a embater nos pratos, copos ou qualquer coisa que faça com que os noivos se levantem e se beijem ainda corrói a minha cabeça. Esta é uma das perguntas que me coloco sempre que venho a este tipo de eventos...De que material serão feitos os inúmeros talheres e copos que ornamentam as mesas? É que são constantemente, casamento após casamento, esmurrados e torturados como se de sacos de boxe se tratassem, e nunca vi nenhum prato ou copo partido...Por outro lado, em casa, quando arrumo a louça, excecionalmente, para agradar à minha mãe, é impossível terminar a minha tarefa sem partir alguma peça. Ela acaba sempre por notar que arrumei a louça, não por estar bem arrumada, mas sim por haver menos do que havia antes. 

Das poucas coisas que me agradam nos casamentos, destaco este tipo de toalhas sobre a qual escrevi já quase metade da mesa. Enquanto todos vão “dançando” (considere-se este conceito a ação de abanar sem nexo o maior número de membros possível ao mesmo tempo), faço que as minhas palavras dancem, de uma forma muito mais subtil, espero, ao longo deste circular pedaço de papel. Quando a noite chegar ao fim, um empregado, que mesmo tendo passado o dia a servir às mesas terá a sua camisa branca mais limpa do que a minha (vantagens de se ser empregado e não convidado, diga-se de passagem), arrancará, sem emoção, esta toalha que me serviu de computador durante alguns minutos. Prefiro escrever à mão, pois sinto-me eu. Tenho total controlo sobre o que escrevo. Ao escrever no computador, sinto-me mais os outros. E sinto que não controlo o computador, e que é ele que me controla. Odeio computadores. 

No entanto, há uma semelhança entre mim e os computadores. Não temos namorada. Mais depressa verei um computador a namoriscar com uma máquina fotográfica do que eu com alguma rapariga. E sabem que mais? Também não me importo! Pelo menos, não me caso. Nem me divorcio. É que, ainda mais do que computadores, odeio casamentos. 

Alexandre Martins, 9ºA

6 de novembro de 2016

LÁPIS IRREFUTÁVEIS, “JOÕES” INTERMINÁVEIS

Hoje é a vez de o Alexandre Martins, do 9.º ano, nos dar a ler uma divertida crónica sobre lápis que desaparecem misteriosamente e sobre decisões irrefutáveis... Mas não irrevogáveis, como se verá.
fotografia de James Troi
Gostava de saber onde vai parar tudo o que coloco na minha bolsa. Sendo estudante de Ciências e Tecnologias, já devia conseguir calcular a probabilidade de a bolsa ter um fundo falso, identificar a função sintática que esse mesmo fundo representa na minha bolsa, ou, ainda, explicar, baseando-me na teoria de um senhor importante na Física, que a rapidez média de tudo o que deposito na minha bolsa teria sempre um valor maior que zero. Mas não consigo, e, por isso, só me resta matutar sobre a localização atual dos meus pertences.

Como sou uma pessoa claramente simpática e bem-humorada, nunca recuso, quando alguém me pede um lápis ou uma caneta. E, como também tenho o hábito de confiar nas pessoas a quem empresto o meu material escolar, impeço-me de proferir a célebre frase: “Empresto-te este lápis, mas ele leva um “V” na ponta, o “V” de volta”. Só que tenho vindo a constatar que os meus lápis e canetas têm desaparecido. Indago-me sobre qual terá sido a criatura com poderes divinos que me roubou o lápis, até que chego à conclusão que o emprestei ao Alberto Albino e que ele ainda não mo devolveu. Estranho, muito estranho mesmo. É que ainda hoje o vi a pedir um lápis emprestado ao Fábio Francisco… O que será que o Alberto fez ao meu pobre lápis!? Tenho de lhe perguntar amanhã, sem falta!  

Comecei o ano com três lápis de carvão, quatro canetas de cor, uma borracha e uma afiadeira. Encontro agora na minha bolsa meio lápis de carvão afiado de ambos os lados, um pedaço de um teste onde joguei sozinho o jogo do galo, para ter a certeza que ganhava, uma bolacha Maria e um lenço de papel sujo. Por estranho que pareça, nunca ninguém me pediu o lenço emprestado ou o veio roubar da minha bolsa. Deve sentir-se injustiçado, pobre lenço.  
      
Tomei a irrefutável decisão de assinalar todos os meus pertences escolares com uma etiqueta branca, que tem escrita o meu nome em letras bem legíveis. Mas, por outro lado, apercebi-me de que o meu nome é João, e, só no meio da selva a que chamam “turma”, e onde me insiro, existem, pelo menos, mais uns quatro “Joões”. E, só para piorar a situação, três dos “Joões” da minha turma chamam-se João Pedro. Pensam vocês que a solução seria colocar apenas João e o meu sobrenome, não é?! Mas enganam-se! Um dos “Joões” Pedro tem o mesmo apelido que eu! Como é possível?! Também não me questionem!  

Mudei de opinião. Afinal, a minha decisão não era assim tão irrefutável. Até porque nem sei o que irrefutável significa, sinceramente. No entanto, ouvi essa palavra no “Jornal das 8”, e as pessoas do Jornal nunca se enganam. Pelo menos não deviam. E eu só ia perder tempo e trabalho ao etiquetar todos os lápis e canetas.  

Voltando à minha turma. Entretanto, deixei de a considerar uma “selva”. Passei a considerá-la algo ainda inferior. É que nunca ouvi relatos de um leão que tivesse roubado um lápis a uma hiena. Nem de um tigre que tivesse pedido emprestada uma caneta a um falcão, e que este não a tivesse devolvido. Assim se vê o nível inferior daquelas vinte e nove “criaturas”, como nos chama, carinhosamente, a professora de Matemática.  
   
Ah, e esquecem-se que isto do tráfico de lápis tem consequências. E das graves. Quando tenho aulas com aqueles professores mesmo rigorosos, como a “stora” de Português, levo sempre falta de material por não ter lápis ou caneta. Quando a culpa nem sequer foi minha! Que intransigente! O pior foi no dia em que a própria professora se esqueceu do manual da disciplina. Prontamente, argumentei que devia existir algum mecanismo ou forma de os professores serem igualmente punidos quando se esquecem do material. Fui expulso, por alegadas ofensas à autoridade. Nem quero esperar pelo final do período, quando for conhecida a sentença… Vai ser, decerto, um duro julgamento! Em suma, fiquei quase toda a aula no corredor, a falar com as moscas. Ao menos essas não me roubam lápis, nem me marcam faltas de material. 

Lembrei-me de outra teoria para os lápis. Acho que quem mos anda a roubar pode sofrer de “abelhomania” (obsessão por abelhas) e daltonismo, em simultâneo. Devem pensar que os lápis são abelhas e roubam-nos para aumentar a sua própria coleção. Quando perceberem que nunca vão produzir mel, pode ser que caiam em si e me devolvam os lápis. Espero que isso aconteça. 

Tomei a minha decisão final. E vou classificá-la como irrefutável de novo, já que soa bem. Estou quase um “Camões” feito! É uma ideia de génio, realmente! Se embrulhar todos os meus lápis e canetas com lenços ranhosos, nunca mais ninguém os vai desviar da sua rota, como os terroristas fazem com alguns aviões! Sim, porque permitam-me considerar esta história dos lápis um extremo ato de terrorismo! Digno de uma posição de destaque no meu estimado “Jornal das 8”. Mas, mesmo assim, o que mais temo neste tipo de terrorismo é mesmo a altura em que a bomba rebenta, os canhões explodem, as armas disparam. Deviam ser vocês a enfrentar a minha mãe quando lhe digo que já não tenho lápis de carvão e que preciso de comprar mais. Nem nunca cheguei a perceber o que ela diz quando está naquele estado de plena fúria. Balbucia uns sons, gagueja uns ditongos, gorjeia uns hiatos. Sem segundos sentidos, parece árabe. E, eu, João, nem percebo árabe, irrefutavelmente. 

Alexandre Martins, 9ºA