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28 de janeiro de 2023

EUGÉNIO DE ANDRADE

 

Celebrar o grande poeta do amor, neste mês e ano do seu centenário. Ler, por exemplo, Os Amantes sem dinheiro, do seu 2º livro, publicado em 1950, com este mesmo título - um poema que guarda inteiro o esplendor e o sabor agridoce da adolescência.


Os amantes sem dinheiro

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com  a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

              Eugénio de Andrade

25 de setembro de 2013

O poder da música


SCHUMANN POR HOROWITZ *


São herança camponesa, as mãos.
Estas pequenas mãos, de geração
em geração, vêm de muito longe:
amassaram a cal, abriram sulcos
frementes na terra negra, semearam
e colheram, ordenharam cabras,
pegaram em forquilhas para limpar 
currais: de sol a sol nenhum 
trabalho lhes foi alheio.
Agora são assim: frágeis, delicadas,
nascidas para dar corpo a sons
que, noutras épocas, outras mãos
se obstinaram em escrever como
se escrevessem a própria vida.
Ao vê-las, ninguém diria que
a terra corria no seu sangue.
São mãos envelhecidas, mas no teclado
são capazes do inacreditável: juntar
nos mesmos compassos o rumor
dos bosques em Setembro e os risos
infantis a caminho do mar.

                                       Eugénio de Andrade

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* Vladimir Horowitz (1903-1989) é considerado um dos mais brilhantes pianistas de todos os tempos. Diz-nos Eugénio de Andrade, no poema acima, que, ao tocar uma peça de Schuman, as pequenas mãos de Horowitz têm o poder de acordar "o rumor dos bosques em Setembro” e o riso das crianças a caminho do mar. Oiçamo-lo então.