14 de junho de 2016

A condição docente

Pela primeira vez, o CNE (Conselho Nacional de Educação), pronuncia-se sobre a condição docente. Um documento que deve ler-se na íntegra, e do qual destacamos algumas passagens:

«[O] conjunto de contextos extrínsecos e intrínsecos que influenciam a educação e o ensino mostra, ao mesmo tempo, a ambivalência e a complexidade de uma profissão sobrecarregada de quadros de referência, de normas, de funções e de tarefas, onde a ação do professor é exercida entre tensões e responsabilidades difíceis de conciliar. Refira-se, a título exemplificativo: 
  • O facto de ser pedido ao professor que exerça a autoridade e ao mesmo tempo pratique a compreensão e a tolerância; 
  • O desempenho de um trabalho intelectual, social, cultural e administrativo (i.e. a ambígua condição de um trabalho solitário, mas também solidário); 
  • O sentimento de satisfação profissional e a insegurança perante novas solicitações curriculares; 
  • A acumulação de responsabilidades sem condições e tempo para as exercer (...);
  • (...) fomentar nos alunos maneiras de pensar, métodos de trabalho, ensiná-los a resolver problemas, a compreender e a memorizar, atender aos diferentes ritmos de trabalho e aprendizagem, indispensáveis, mas nem sempre conciliáveis, no desempenho profissional docente. Deve contudo salientar-se que estas exigências se exercem em contextos cada vez mais complexos, pela diversidade cultural e social da população escolar e tornam a aplicação dos princípios de equidade, de inclusão e de coesão social mais premente.
Todas estas transformações, que resultam de processos sucessivos de reformas e mudanças de orientação nas políticas educativas, condicionam o exercício das funções docentes ou implicam novas relações e formas de as exercer: 
  • O aumento do número de alunos por turma, a heterogeneidade da sua composição quanto a níveis etários, de conhecimento, culturas, valores e motivação exigem atenção pedagógica acrescida, tornando mais constante o dilema entre a necessidade de tornar o ensino mais individualizado e a ausência de condições para o fazer; 
  • O alargamento da escolaridade obrigatória: a escola para todos, frequentada por alunos com interesse e sem interesse em aprender, com expetativas elevadas e sem expetativas, exige uma acrescida responsabilidade para assegurar a equidade nas aprendizagens; 
  • A organização do horário: a duração, distribuição dos tempos letivos e gestão das componentes letiva e não-letiva, têm implicações na racionalidade das práticas pedagógicas; 
  • A multiplicidade por vezes contraditória de referências curriculares: a sua aplicação condiciona de certo modo a autonomia individual, profissional e organizacional; 
  • A introdução de novas formas de encarar a organização escolar e o agrupamento de escolas: as novas estruturas escolares e pedagógicas põem em confronto visões e culturas profissionais diversas e obrigam a reposicionar as relações interpares, do trabalho individual para o trabalho colaborativo (disciplinar e multidisciplinar);
  • A avaliação - prestação de contas: a relevante complexidade da sua aplicação nos diferentes domínios das avaliações interna e externa associada à necessidade de articular estas avaliações entre si, de modo a induzir melhorias nas aprendizagens dos alunos; 
  • Novos procedimentos administrativos: tarefas impostas pela organização escolar; uso das Tecnologias da Informação e Comunicação na gestão administrativa e pedagógica; 
  • Novas atividades definidas em contexto escolar: decorrentes da regulamentação da componente não letiva e a obrigatoriedade de permanecer mais horas na escola para apoiar o estudo, acompanhar as atividades dos alunos, realizar coadjuvações e garantir tutorias ou reforço curricular, entre outras; 
  • O reforço da exigência na relação com os pais: ao nível da comunicação e da colaboração, bem como da obrigatoriedade e importância de enviar informação escrita e fundamentada sobre o percurso escolar do aluno, dada a diversidade sociocultural dos pais e o nível de expetativas que estes têm sobre os seus educandos; 
  • Novas relações com o meio: o poder local e a articulação no exercício de competências; as instituições de ensino superior e a partilha de conhecimento; as instituições socioculturais e o estabelecimento de parcerias – a comunidade como recurso.
Nos últimos anos, as condições de trabalho dos docentes nas escolas têm vindo a tornar-se mais difíceis. Se se tiver em conta, em particular, os horários e a sua organização, desde logo ressalta que o seu contributo para o agravamento das condições de trabalho provém da falta de definição clara das atividades que se integram na componente letiva e das que deverão ser desenvolvidas no âmbito da componente não letiva do estabelecimento. 

RECOMENDAÇÕES:
  1. Recentrar a missão e a função docente no processo de ensino/aprendizagem, o que implica definir, com clareza, as funções e as atividades que são de natureza letiva e as que são de outra natureza, substituindo os normativos vigentes sobre esta matéria por um diploma claro, conciso e completo. 
  2. Assegurar como parte integrante do trabalho do professor uma componente destinada ao uso e desenvolvimento, individual e coletivo, de processos de ensino e de aprendizagem de alta qualidade e de metodologias de investigação que proporcionem uma permanente atualização. 
  3. Promover a instituição de redes de reflexão e práticas colaborativas. Diminuir as tarefas burocráticas que ocupam tempos necessários para assumir em pleno as funções docentes. 
  4. Ter em conta na determinação do serviço docente a evolução profissional, valorizando o conhecimento e a experiência profissionais e reconhecendo a necessidade do trabalho em equipa. 
  5. Garantir condições de estabilidade, designadamente profissional, a todos os docentes e o acesso a uma carreira reconhecidamente valorizada. 
  6. Reconsiderar as reduções de serviço por antiguidade e o modo como as horas de redução são preenchidas. 
  7. Definir atividades específicas a desenvolver pelos professores nos últimos anos da sua carreira, no domínio da formação, da supervisão pedagógica e da construção de conhecimento profissional, entre outros. 
  8. Repensar a mobilidade profissional vertical e horizontal, entendida como a possibilidade de lecionação noutro nível de ensino, consentânea com as necessidades dos alunos e com as qualificações dos docentes. 
  9. Promover um processo de formação contínua que articule e torne coerente o desenvolvimento profissional docente com os permanentes desafios colocados à escola.»

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